Você realmente sabe como fazer uma "simples" espiral?
1ª parte
Por Marcelo "22" Borzino
É com grande tristeza que escrevo este artigo sobre a mais eficaz, porém ardilosa, técnica de descida com parapente: a espiral simétrica. Só no ano passado foram noticiadas em revistas estrangeiras de vôo pelo menos quatro mortes de pilotos que a estavam realizando e foram "até o chão" sem que conseguissem sair da configuração. E, por incrível que pareça, estes pilotos estavam voando parapentes homologados DHV 1-2 ou 2, sendo certo ainda que todos estavam dentro dos limites de peso designados pelas respectivas fábricas (desconheço se as seletes utilizadas estavam dentro dos padrões de homologação). Recentemente um semelhante problema ocorreu com um irmão nosso que também voava um parapente DHV 1-2 aqui em terra brasilis, e este foi, sem dúvida, um dos motivos que me levaram a querer compartir o pouco conhecimento que possuo acerca da matéria. Pode-se dizer que é uma tentativa de erradicar, de uma vez por todas, o mito da "espiral sem fim" (melhor seria dizer: "com fim chocante" - literalmente), onde o piloto mesmo detentor de suas perfeitas faculdades mentais e físicas e voando uma vela dita "mansa" não mais consegue sair da manobra depois de "bem engatada". É claro que existe a possibilidade de o piloto perder a consciência durante a manobra em função da enorme força G a que está submetido, e isso também será analisado ao longo deste estudo.
O que acontece então? Não deveriam os parapentes dotados de tais homologações saírem sozinhos das referidas espirais? Se um parapente detém a chamada "estabilidade positiva", posso deixar de comandar a saída da espiral sem me preocupar? Estas e outras perguntas surgem a partir do momento em que passamos a analisar as diferentes configurações possíveis para uma "simples espiral".
Aliás, assim como muitos leitores provavelmente estão perplexos com a notícia da existência de "diferentes configurações de uma espiral simétrica", devo dizer que, para minha surpresa, também notei essa mesma perplexidade por parte de muitos instrutores com quem conversei pela primeira vez sobre o assunto. Ou seja, também a grande maioria dos instrutores de parapente aqui no Brasil desconhece (ou até pouco desconhecia) as diferentes possibilidades de configuração de uma espiral simétrica. Não estou me referindo somente às diferentes intensidades que uma espiral simétrica pode atingir, mas sim às diferentes características quanto ao ângulo de inclinação da vela, à posição desta em relação ao piloto, à velocidade tangencial do piloto, à taxa de afundamento do conjunto e, principalmente, à necessidade ou não de o piloto comandar a saída da manobra. Logo, não se trata apenas de entrar em uma espiral "mais" ou "menos" forte, com "maior" ou "menor" taxa de afundamento, com "maior" ou "menor" centrifugação, mas, sobretudo, de se saber que as variações destes fatores são inerentes às diferentes configurações da manobra. Engana-se aquele que pensa serem todas as espirais simétricas manobras com configurações semelhantes, diferenciando-se umas das outras por ângulos de inclinação da vela e diferente intensidade das energias envolvidas. É bem mais que isso na verdade, como passarei a demonstrar.
Antes de tudo, todavia, quero deixar bem claro que este texto não serve, em hipótese alguma, de manual para a realização das manobras aqui comentadas e, se alguém quiser exercitar as técnicas aqui descritas, deve necessariamente consultar antes um instrutor qualificado para que se certifique daquilo que irá fazer (melhor ainda se for sobre a água e se houver o acompanhamento por parte do profissional).
Sobre a falácia: "estabilidade positiva" em matéria de espiral
Em primeiro lugar insta esclarecer o significado da expressão "estabilidade positiva" em matéria de espiral, tão venerada por muita gente até então quando se fala de parapente com baixa homologação. Segundo a "sabença técnica" diz-se que um parapente tem estabilidade "positiva" quando o mesmo tende a sair espontaneamente de uma espiral simétrica assim que o piloto pára de comandar a manobra. Caso o parapente permaneça em espiral, mas com a mesma intensidade, diz-se que sua estabilidade é "neutra", e "negativa", se, ao contrário, aumenta ainda mais essa intensidade.
Tanto nos próprios manuais, como nas fichas de homologação das velas vem indicado seus respectivos tipos de estabilidade, seja nominando-os especificamente, seja através do sistema de graduação para cada manobra testada, e que deverá ser interpretado à luz das regras impostas pelo mesmo órgão de homologação. Isso faz com que a maior parte dos pilotos ao ler que sua vela "sai sozinha da espiral caso o piloto não reaja" fique indevidamente despreocupada com a manobra. Some-se a isto o fato de em geral não fazerem espirais fortes com muita freqüência e, pronto: está aí a condição criada para um possível incidente.
Esta afirmativa segundo a qual "a vela sai sozinha da espiral quando possui a dita estabilidade positiva" é verdade em parte, logo, trata-se de uma verdade relativa (e não as serão todas?). Isto porque o conceito de estabilidade positiva adotado pelo DHV, por exemplo, é sempre relativo a uma espiral de até 14 m/s de taxa de descida, ou seja, o que o órgão garante é que a vela, caso homologada em uma categoria "baixa", sairá espontaneamente da manobra com maior ou menor facilidade dependendo da categoria da vela, mas, repito, sempre com espirais de até 14 m/s e nada mais1! Portanto, esse papo de que vela DHV 1-2, por exemplo, tem sempre que sair sozinha de uma espiral é pura lenda e, particularmente, penso ser muito perigoso ver instrutores brandindo-o aos quatro ventos.
E porque os testes do DHV são relativos somente a espirais de até 14 m/s? Bem isto obviamente tem um razão de ser e só entenderemos esta questão se voltarmos um pouco no tempo, mais especificamente para meados dos anos 90, quando pilotos de teste e técnicos do DHV não conseguiam compreender o porquê de velas pouco alongadas e com grandes bocas (que até determinado momento vinham passando nos testes de homologação com notas 1 ou 1-2) simplesmente não saíam de uma "simples" espiral com, por exemplo, 18 m/s de taxa de afundamento.
Bruce Goldsmith, quem recentemente escreveu um excelente artigo sobre o tema na Cross Country Magazine2, o qual recomendo a todos a leitura, explica que na verdade existem dois tipos de configurações para as espirais simétricas: a "regular spiral" e a "over the nose spiral", sendo justamente aí que residiria a problemática da estabilidade positiva para parapentes. Particularmente acho preciosismo deste notável piloto e projetista (aliás, um dos meus primeiros ídolos neste esporte) a defesa desta divisão das configurações de espiral em duas espécies, pois uma tal divisão implica sempre no estabelecimento de critérios objetivos para a diferenciação das duas e, com a constante evolução tanto da técnica de pilotagem, como dos projetos das velas, acredito ser impossível a fixação destes parâmetros de maneira 100% segura, pelo menos não no atual "estágio da arte". Explicarei o motivo desta discordância, mas antes vejamos o que significa e como entrar e sair de cada uma dessas configurações.
A "regular spiral": entrada e manutenção da configuração
Esta é a clássica espiral simétrica, onde o piloto através do acionamento progressivo de um dos freios, e jogando o corpo para o mesmo lado, inicia um movimento circular com a vela, que vai se intensificando até chegar a um ponto em que a taxa de afundamento atinge valores altos e se estabiliza , fazendo com que o piloto fique submetido a uma grande força G e também a uma grande velocidade tangencial. Normalmente não se ultrapassa os 4 G´s em uma "regular spiral" (tive a oportunidade de fazer alguns testes com um "G-meter" e pude pessoalmente verificar que dificilmente atingiremos um G superior a 5 com os parapentes atuais) ou os 70 km/h de velocidade angular, não obstante já se tenha notícia de que o piloto Raul Rodriguez (e provavelmente outros também) tenha atingido uma velocidade angular superior a 100 km/h e 4.9 G´s (mas até aí tudo bem, pois o Raul não se encaixa nessa categoria dos que "normalmente" fazem algo em termos de parapente). Existem ainda outros tipos de entrada na configuração como, por exemplo, o aproveitamento da saída de um movimento pendular ou mesmo de um giro centrifugado na saída de um colapso assimétrico. Todas essas variações na entrada da espiral simétrica são adaptações dos princípios básicos da manobra, onde o piloto aproveita a trajetória circunferêncial do conjunto para, acionando o freio do mesmo lado do giro e jogando o corpo também para esse mesmo lado, manter a vela na configuração e, posteriormente, fazer variar as energias. É óbvio que a intensidade e a brusquidão do acionamento do freio dependerá sempre da energia com que a vela se encontra no momento da conexão e, na minha opinião, para se fazer isto pela primeira vez é imperativo que o piloto esteja sendo orientado por um instrutor competente e sobre a água.
Note-se que é esta configuração de espiral ("regular spiral"), e que normalmente não atinge mais de 14 m/s de taxa de descida, a manobra utilizada como parâmetro para os testes DHV. A decisão do órgão de testar os parapentes em espirais deste "tipo" foi tomada em 1997, tendo em vista que nos anos anteriores os técnicos do DHV já haviam feito uma pesquisa junto a diversos cursos de simulação de incidentes de vôo - SIV onde ficara verificado que a grande maioria dos pilotos não conseguia fazer (ou simplesmente não fazia) uma espiral com mais de 14 m/s de taxa de descida. Isto, aliado ao fato de que não se encontrava o porquê de parapentes que "tinham tudo" para terem homologação baixa não saírem espontaneamente de algumas espirais, geralmente espirais com mais de 14 m/s de taxa de descida, fez com que a partir de 1997 todos os testes de homologação passassem a levar em conta apenas espirais com até esta taxa de descida (14 m/s), o que hoje consta do Airworthiness Specifications for Hang Gliders and Paragliders daquele órgão.
Portanto, é verdade sim que um parapente homologado DHV 1-2 deve sair espontaneamente de uma espiral, mas isso só é certo para "regular spirals" de até 14 m/s. Não estou dizendo aqui que um parapente com baixa homologação não saia espontaneamente de uma espiral mais forte, mas tão somente que isto não é garantido pelo DHV (obviamente que a garantia de que aqui se trata só valerá se o parapente estiver dentro das especificações nas quais fora testado, inclusive com a selete homologada e a ventral dentro das respectivas especificações).
Para complicar um pouco mais o problema, tem-se verificado um acentuado aumento no número de acidentes (ou mesmo "sustos") com modernos parapentes de baixa homologação DHV, onde o piloto simplesmente não sai da espiral e, normalmente, vai de encontro... ao "criador".
Importante atentar para o fato de eu (ainda) não estar sequer levando em consideração a possibilidade do piloto "apagar" durante a manobra, o que certamente explicaria uma eventual falta de reação sua e também o resultado final. O caso ora analisado é aquele em que o piloto deixa de promover os comandos necessários, confiando na saída espontânea da vela, ou então tenta acionar o freio "externo" e desiste, uma vez que o mesmo se torna "duro" demais e a impressão que se tem é a de que as linhas do freio iriam se romper caso o piloto continuasse a forçá-la. Nestes casos, se a vela for de homologação baixa e a espiral de não mais de 14 m/s de taxa de descida tudo bem, a vela seguramente sairá sozinha (repito: desde que com selete homologada e a ventral dentro das especificações de homologação). Em todo caso, se se vai confiar somente na vela, é bom tomar cuidado extra com o pêndulo que irá ocorrer na saída da manobra. Às vezes, o avanço assimétrico causado por esse pêndulo resulta em colapsos e/ou "efeito cascata" bem difíceis de se lidar.
Agora, se o piloto entrou numa outra configuração de espiral ("over the nose"), geralmente com taxa de afundamento superior a 14 m/s, ainda que por desconhecimento, deverá sim comandar a saída, mesmo que esteja voando com um parapente de homologação baixa (especialmente se for um desses bólidos modernos). Mais adiante passaremos a estudar esta "outra" configuração.
A saída da"regular spiral"
Para se sair suavemente de uma "regular spiral" forte é preciso não só jogar o corpo para o lado oposto ao giro, como também acionar o freio do lado "externo" progressivamente, enquanto deixa-se de acionar o do lado interno, até o ponto em que o parapente esteja passando dos 45º graus de inclinação (com relação ao horizonte) e, conseqüentemente, saindo da espiral. Neste momento, deve-se parar com a progressão de acionamento do freio "externo", mantendo-o, todavia, acionado. O corpo também deve voltar à posição normal de vôo enquanto a vela está indo dos 45º para os 90º em relação ao horizonte. Quando o parapente estiver completamente perpendicular ao horizonte, o piloto deve deixar de acionar também o freio externo, fazendo com que o mesmo continue a girar em torno de um eixo imaginário até dissipar a energia acumulada e começar a espontaneamente querer "subir para a cabeça". Na verdade, como a força centrífuga diminui, o piloto, com um peso superior ao da vela, tende naturalmente a voltar para debaixo dela. Nesse caso, o piloto ainda terá um pequeno pêndulo na saída da espiral e com um tendência de um também pequeno avanço assimétrico, mas aí isto será facilmente controlável. A dica é: se durante o(s) giro(s) de dissipação de energia o parapente, ainda com muita energia, "começar a subir rápido de mais para a cabeça", ou então, se passar dos 90º graus com relação ao horizonte, caso em que o piloto estará com a vela ainda ao seu lado e com o bordo de ataque na diagonal com relação ao horizonte, mas apontando para cima, o piloto pode e deve acionar novamente o freio do lado interno, procurando manter ao máximo o parapente perpendicular ao horizonte até que o excesso de energia se dissipe e a vela "volte para a cabeça". Este re-acionamento do freio "interno" é só para colocar a vela perpendicular ao horizonte e, caso a mesma "passe do ponto", deve-se soltar o freio "interno" e tornar a acionar o "externo". E assim sucessivamente, até a vela dissipar a energia excedente. Uma outra dica é voltar a acionar ou pouco o freio "interno" e soltar o "externo" quando o parapente estiver "voltando para a cabeça", criando-se uma certa "resistência" a essa volta. O acionamento do freio "interno" nesses casos dever ser muito sutil, isto é, o suficiente para fazer com que a vela "suba" o mais devagar possível. Se for em excesso, corre-se o risco de voltar para a espiral e aí... começa tudo de novo... se o piloto ainda tiver altura, é claro. É bom esclarecer que tudo isso acontece muito rápido e, se o piloto comanda a saída corretamente, a taxa de afundamento durante os giros de dissipação de energia torna-se desde nula até muito baixa, o que neutraliza, de certa forma, o problema da perda de altura durante a saída. Essa técnica de saída é a base que os pilotos de acrobacia utilizam para fazer os seus "giros da morte" a centímetros do chão.
Por que não sair da "regular spiral" utilizando-se unicamente o corpo, como há tempos vêm sustentando muitos pilotos? A resposta a esta indagação requer um breve comentário acerca dos movimentos da vela no que diz respeito aos seus eixos roll, pitch e yaw.
Basicamente o piloto de parapente tem à sua disposição duas formas de comandar a vela, por vezes, obviamente, misturando-as: (1) o acionamento dos freios; e, (2) o deslocamento do seu centro de gravidade (o que normalmente chamamos de "jogar o corpo"). Embora a decomposição em vetores do movimento da vela, nascido a partir dos comandos acima citados, não seja tarefa das mais simples, é fato público e notório (pelo menos para os pilotos de parapente) que de acordo com o comando utilizado (corpo ou freio ou a combinação de ambos) a reação da vela tenderá a intensificar o movimento do parapente em torno de um ou mais dos eixos roll, pitch ou yaw. A utilização do corpo, através do deslocamento do centro de gravidade, faz sem dúvida o parapente entrar em curva, mas acentuando a variação do seu roll (embora os outros eixos também sejam afetados). Ora, se queremos sair de uma espiral forte e simplesmente "jogamos o corpo para o lado de fora", mas sem acionar os freios, teremos resultado sim nessa empreitada, mas não com a precisão desejada para colocar a vela perpendicular com o horizonte e anulando (ou tornando muito baixa) a taxa de afundamento, tal qual acima descrito para a fase de dissipação de energia. Isso porque para se colocar a vela com precisão na posição perpendicular, lembrando-se que numa espiral forte a vela está quase paralela ao horizonte, o que se quer é atuar principalmente no "yaw" da vela, colocando-a na posição de dissipação de energia, e isso será muito mais fácil e preciso se atuarmos o freio externo (com uma ajuda no início da saída do corpo também). De qualquer forma, acho que o piloto deve experimentar num curso de Simulação de Incidentes de Vôo (SIV) as diferentes técnicas de saída de uma espiral forte e conferir por si próprio as diferentes reações da sua vela.
No próximo artigo darei continuidade a esta matéria e falarei sobre a "outra" configuração das espirais simétricas, a "over the nose spiral" , assim como abordarei os aspectos fisiológicos envolvidos no tema.
Até lá... e happy tumblings!
Ah, já ia me esquecendo... por "via das dúvidas"... comande sempre a saída de suas espirais.... ok?)
Marcelo "22" Borzino
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(1)
O item 2.2.12 do Airworthiness specifications for hang gliders and paragliders do DHV, que disciplina os testes de "diving spiral" assim dispõe: "The paraglider has to be flown expeditiously into a diving spiral with more than 14m/sec descent rate out of the trim speed by asymmetric braking. The brakeline has to be permanently pulled down and released accordingly to avoid an asymmetric stall. The stability of the spiral, the tendency to spin, and the autonomous termination after brake release, respectively the tendency to continue the turn, have to be evaluated. The tendency to continue the turn and the stability of the spiral will be evaluated at a descent rate of 14m/sec, and the termination characteristics is the main point for the evaluation. The descent rate after 720° of turn after the entry has to be determined. No active steering support by shifting of bodyweight will be given for this test flight maneuver, the body has to follow the center of gravity.
(2) O artigo foi publicado em fevereiro de 2004 pela revista inglesa Cross Country na coluna de Bruce Goldsmith ("Icaristics") e foi intitulado de "The Death spiral".
2 ª parte
Por Marcelo "22" Borzino
Pois é galera alada, seguiremos aqui com a segunda parte do texto que trata do assunto "espirais simétricas". Gostaria de convidá-los a mergulharem comigo nesse mundo giratório de G's acentuados e altas velocidades tangenciais (para os nossos padrões, obviamente...).
Antes de mais nada, quero novamente chamar a atenção para o fato da existência de duas formas de classificação das espirais simétricas: a chamada "regular spiral" e a intrigante "over the nose spiral". Essa classificação é, ao meu ver, pelo menos até o presente estágio de evolução da arte, de relativa utilidade, pois acaba por vezes confundindo aqueles pilotos que ainda estão naquela fase de realizarem manobras quase que mecanicamente, isto é, sem compreenderem a fundo (pelo menos durante a execução da espiral) os fluxos de ar, ângulos de incidência do bordo de ataque com relação ao horizonte, variações de afundamentos e energias. Aliás, é muito comum notarmos que o piloto de pouca intimidade com estas técnicas só percebe o quão "forte" ou "fraca" foi sua espiral em termos de afundamento posteriormente, mais precisamente quando ele checa seu vario.
Ora, independentemente dos G's envolvidos, que às vezes dão a impressão de se estar realizando uma "super-espiral", um piloto que domina corretamente sua técnica de realização (e conhece bem o equipamento em que voa) já tem uma idéia precisa sobre o atingimento ou não de altas taxas de afundamento, muitas vezes chegando a acertar com precisão cartesiana a exata taxa, antes mesmo de verificar no vario.
Em verdade, essa acima mencionada divisão/classificação tem um cunho muito mais didático que prático propriamente, uma vez que a diferença entre uma e outra reside em diferenças de intensidade de fluxos, velocidades tangenciais e afundamento, sendo todos esses fatores controláveis e variáveis conforme a técnica de pilotagem aplicada e o equipamento utilizado. Ou seja, é possível variar entre uma "configuração" e "outra" com maior ou menor facilidade dependendo da técnica e do equipamento em questão. Vejamos então esta "outra" configuração que nos faz repensarmos aquela velha ladainha sobre velas com estabilidade positiva, neutra ou negativa em espirais simétricas.
A "Over the nose spiral": entrada, manutenção e saída
O nome já nos dá uma boa pista de como ela é vista por quem está "de fora". Na verdade, se tirarmos uma foto aérea de um piloto em uma "espiral acima do nariz" ("over the nose spiral") no momento em que ele está "passando" por nós, verificaremos que o conjunto piloto/selete está um pouco mais abaixo do plano da vela, embora esta esteja com o bordo de ataque paralelo ao horizonte. Isto se dá porque a vela está literalmente "voando para baixo" e como o piloto tem uma massa muito superior à da vela (ainda mais com a selete, reserva e outras bugigangas) ele terá sempre um peso maior e sua aceleração em direção à terra será sempre maior também (sem falar nos arrastos). É claro que outras forças estão envolvidas neste processo e a decomposição deste movimento em vetores (com a respectiva tradução em fórmulas matemáticas) está absolutamente fora de minha competência, mas creio ser razoável entendermos que a velocidade tangencial desta configuração (que é menor que a velocidade tangencial em uma "regular spiral") e a respectiva força centrífuga servem para dar estabilidade ao conjunto, fazendo com que seja possível manter as bocas do glider completamente voltadas para o "chão", enquanto o mesmo chega perto de sua velocidade limite. É como se a trajetória circunferencial do conjunto, com todas as suas forças e movimentos envolvidos, fosse justamente o necessário para manter o glider "voando para baixo", algo impossível de se manter em uma trajetória retilínea, dada a diferença de pesos e arrastos entre a vela e o conjunto piloto/selete. É por isso que temos a impressão de estarmos progressivamente nos acostumando com os G's e, portanto, fazendo espirais cada vez mais fortes (o que é confirmado pelo vario), quando na verdade em muitos casos isso não é verdadeiro quanto à nossa adaptação aos altos G's (que dependem de aspecto fisiológicos próprios e não de treinamento em si). O que acontece é que estamos justamente entrando nesta "diferente" configuração chamada "over the nose spiral". Isto é algo bom por uma lado, pois estamos ultrapassando nossos limites aos poucos, mas também é perigoso por outro lado, pois ao explorarmos um território para nós desconhecido expomo-nos às suas intempéries, que por vezes acaba por nos pegar desprevenidos. Por exemplo, muitos gliders homologados DHV 1-2 simplesmente não saem espontaneamente desta configuração, uma vez que não foram testados nessas condições (vide 1ª parte anterior). Nesses casos, se o piloto não comanda a saída (ou joga o reserva) a tragédia é inevitável, ou se no desespero, aciona bruscamente, e por um tempo maior que o necessário, o "freio externo", o pêndulo assimétrico que daí resultará também poderá trazer seríssimos problemas para o desinformado. Logo, é preciso reconhecer e saber lidar com todas essas variações.
Quero deixar muito claro que o fato de a velocidade tangencial e a força centrífuga serem menores na "over the nose spiral" não significa que o piloto conseguirá resistir sem maiores problemas ao G-LOC ("G Lost Of Conciousness" ou "perda de consciência por G"). Isto porque a forças G's atingidas nesta "configuração" são também relativamente altas, embora normalmente menores que na outra, mas em contrapartida a velocidade com que se atinge tais G's é muito maior, ou seja, a aceleração até sermos afetados por esses relativamente altos G's é que nos faz sentir com maior freqüência suas conseqüências, podendo nos levar à perda da consciência. Quando somos avisados de que isto está para acontecer, por meio de sinais como "flashes", "visão acinzentada", "black outs rápidos", etc., temos ainda chance de diminuir a força G por intermédio da pilotagem, ou até mesmo por uma reação natural da vela, desde que ela saia espontaneamente da configuração (mas isto nós não sabemos de antemão, pois o DHV não testa este tipo de reação a esta configuração). Justamente aí reside o perigo. Imaginem um piloto que desconhece a configuração "over the nose" e voa com uma vela homologada DHV 1-2 (mas que não sai espontaneamente dessa configuração). Ele então entra com um "pouco mais de vontade" do que o usual em sua "espiralzinha de final de tarde" e, sem saber exatamente o que está fazendo, é submetido a uma rapidíssima aceleração centrífuga, chegando não a apagar repentinamente (não sejamos tão dramáticos, embora isso possa acontecer, dependendo das condições físicas do piloto), mas sim a começar a "ver flashes" dispararem. Das duas uma, ou o piloto intervém e sai da espiral (ou pelo menos diminui o G, a fim de dar tempo ao organismo de se reequilibrar - sem contar com a hipótese de jogar o reserva) ou ele terá em breve um encontro com o cara lá de cima (ou lá de baixo... sei lá eu). O pior é que justamente nestes momentos é que o piloto inexperiente descobre que o freio externo fica muito mais "duro" que o normal para sair de uma espiral e, levando-se em consideração que ele já estava "vendo flashes", é bem pouco provável que saiba exatamente como sair da situação. Muitas vezes, o instinto de sobrevivência do piloto faz com que ele atue de maneira excessiva no freio externo, ao ver que "não estava saindo" da manobra. Nesses casos, depois da tempestade... vem a "ambulânça", isto porque se não estava preparado para a entrada da manobra, muito provavelmente também não estará preparado para a sua saída, que em virtude da atuação excessiva resultará num pêndulo assimétrico "monstro" (e que se não acertado com comandos precisos poderão gerar uma "bela" gravata ou mesmo iniciar um sério "efeito cascata" de colapsos). Quantas vezes não ouvimos alguém comentar, como nítida surpresa, como teve de atuar forte daquela vez para sair da espiral que teimava em permanecer? A explicação para isto reside justamente nestas diferenças que aqui estamos a abordar.
Mas qual a forma para se entrar numa configuração como a "over the nose"? Bem, em primeiro lugar temos que levar em consideração que não se deve submeter o próprio corpo a uma rápida aceleração centrífuga sem antes conhecer suas reações à mesma. Por isso, recomendo que antes de tentar entrar nesse tipo de espiral pela primeira vez, aliás, em qualquer espiral (que deverá ser realizada com o acompanhamento de um instrutor competente para tal e de preferência sobre a água), o piloto execute um vôo como passageiro com um piloto já habituado a altas acelerações e G's, para que dessa forma possa verificar sua resistência ao "tranco". Isto, mesmo levando-se em consideração que o piloto goze de perfeita saúde e aptidão física para grandes esforços, o que também penso deveria ser requisito (tais exames físicos) para a realização de manobras com parapentes.
A partir daí, a técnica de entrada na manobra é bastante simples, muito embora alguns parapentes tenham maior dificuldade para ingressar nesta configuração, enquanto que outros têm até muita facilidade. O piloto deve jogar o corpo para o lado que preferir e acionar o freio do mesmo lado progressivamente. Tal acionamento do freio (a partir de agora chamarei de "freio interno") não deve ser brusco (isto é, sem "explosão muscular"), mas tampouco suave demais. Nesse aspecto, diferentes velas responderão de diferentes maneiras ao comando, fazendo com que não exista uma fórmula predeterminada para esta execução, e por isso mesmo deve o piloto ter absoluto domínio de seu equipamento antes de tentar entrar diretamente em tal configuração, sob pena de arrumar para si uma bela negativa. Pois bem, no momento em que a vela começar a "energizar" (em uma vela de alta performance e instável, por exemplo, isto se dará em menos de meia volta, enquanto que em um duplo tal momento poderá ocorrer somente após uma volta inteira), o piloto deverá de uma só vez colocar a vela com as bocas totalmente viradas para baixo, e isso se dará no limite da negativa (daí o perigo). Tal efeito será conseguido por meio de um acionamento brusco, mas controlado do freio interno e por seu necessário ajuste no momento de estabilização na espiral. Aí é só manter, agüentar e descer à 15, 20, 22 ou mesmo 25 m/s. Faço um parêntesis aqui para repetir: jamais apliquem as técnicas aqui descritas desacompanhados de um instrutor competente e sem o seu respectivo aval, pois as reações variam e muito de vela para vela e isso aqui não é um curso de manobras por fascículos!
A idéia básica é não deixar o conjunto adquirir muita velocidade tangencial/aceleração centrífuga, para que desta forma a energia seja suficiente para manter a vela apontada ("voando") para baixo, mas com o mínimo de dissipação em virtude da resistência ao movimento circular (este necessário para estabilizar a vela na posição).
Muitas velas hoje em dia, inclusive algumas homologadas DHV-1, aceitam uma entrada mais fácil (às vezes involuntária) e segura na configuração "over the nose", por meio de uma entrada em "regular spiral" (vide matéria anterior), mas com um simples acionamento um pouco mais brusco no momento em que a vela está passando dos 45º (bordo de ataque) em relação ao horizonte. Daí a minha preocupação em divulgar essas técnicas e suas respectivas conseqüências.
A saída é basicamente a mesma descrita na edição anterior para a "regular spiral", mas com a diferença que a primeira fase da saída deverá ser um pouco mais longa, eis que o afundamento também será maior. É preciso diminuir primeiramente esse grande afundamento antes de anulá-lo por completo, e é justamente nesse momento que o piloto estará transformando sua "over the nose spiral" em uma "regular spiral". Também estará aumentando um pouco a sua velocidade tangencial e a respectiva força centrífuga, o que será de valia para o giro de dissipação. Para tal fim, deverá o piloto acionar progressivamente o freio externo (sem o corpo, para não se correr o risco de trazer a vela para cima da cabeça prematuramente - a não ser que o piloto saiba como lidar com a situação), até que o glider perca a tendência de ficar com as bocas absolutamente voltadas para baixo. Para quebrar essa inércia às vezes é necessário fazer bastante força, chegando a dar a impressão de que a linha do freio se romperá. A partir daí segue a técnica já detalhada na 1ª parte desta matéria.
Mais uma vez fica o lembrete: por "via das dúvidas"... comande sempre a saída de sua espiral.... ok?)
Marcelo "22" Borzino
SOL Paragliders - Acro Team Member
sábado, 5 de dezembro de 2009
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